Fiquei perplexo ao tomar conhecimento da ocorrência de “mais um sismo”, de proporções “quasi-nacionais”, na madrugada do passado dia 27 de Novembro de 2008. Ao lembrar-me que tivemos há menos de três anos, uma ocorrência similar mas mais devastadora que esta e, atendendo que Moçambique se localiza “supostamente” numa zona sismicamente “não-activa”, a primeira coisa que me ocorreu foi que estávamos em presença de eventos que precisam de ser tomados muito a sério!
Elaborei então este artigo de reflexão para discutirmos alguns aspectos desta realidade assustadora! Porém, optei por não publicá-lo imediatamente, exactamente para “medir” a atenção e reacção não só das autoridades competentes, mas também da sociedade civil em geral, no que concerne a esta temática! Como nestes casos, as “expectativas” dificilmente costumam ser defraudadas, eis que volvido aproximadamente um mês, o sismo foi isso mesmo: teve uma magnitude de 3,9 graus na escala de Richter, que, segundo fonte do Ministério dos Recursos Minerais, teve epicentro “pretensamente” no distrito do Lago, província do Niassa (citando o “Noticias”). No mesmo dia, o abalo, desta feita com magnitude de cinco graus, fez-se sentir no distrito de Machaze, na província de Manica, causando a destruição parcial de uma escola primária localizada na região de Macundane, posto administrativo de Chitobe. Atingiu também com alguma intensidade a região de Mabote, no norte de Inhambane. Não se registaram vítimas humanas.
“Prontos”, e dito isto, assunto completamente encerrado! A vida continua na sua normalidade e: “Até ao próximo sismo....!" Voltaremos a falar do número de mortos, casas destruidas e, talvez, “mais houvera, lá chegara”, como gosta de dizer o nosso “automobilista-mor”!
Quando a 23 de Fevereiro de 2006, um forte sismo com magnitude 7,5 na escala de Richter, com epicentro em Chipungabera, quase mil quilômetros ao norte de Maputo, atingiu toda a região centro e sul do país, causando cinco mortos e 36 feridos, derrubando 288 casas, afectando 1,4 mil pessoas e deixando a cidade capital “em parampas”, eu estava a completar quase um mês consecutivo em trabalho na outra capital, a do norte, Nampula!
Como estava com “deadlines” apertadas para terminar um projecto, normalmente regressava a casa praticamente à madrugada, tirando as “noitadas” habituais dos fins de semana! Mas naquela noite do “sismo”, notei um fenómeno bastante esquisito e invulgar: para quem conhece aquela cidade, na Av. Eduardo Mondlane, a que atravessa a Catedral e o palácio do Governador, havia uma “bicha” de cães, espaçados entre 15 a 20 metros, deitados e em tom bastante descansado! Nunca tinha visto um cão de rua naquela urbe e perguntei-me donde teriam vindo tantos e porquê estariam na via pública, naquele zona “nobre” e tão relaxados??
Chegado a casa e como sempre fazia, liguei a “DSTv” e curiosamente o canal que estava sintonizado era a BBC se não estou enganado. No rodapé vi os últimos excertos de uma notícia se refendindo a “earthquake” e a imagem que mostrava no écran era a do mapa de Moçambique, com um círculo vibrante, mais ou menos na zona de Sofala. Como não é possível fazer o “rewind”, dormi pensando que talvez se tratasse de um “estudo” qualquer sobre a “matéria” que estivesse para se realizar no país.
Meu espanto foi observar no “Café da manhã” seguinte, todo o reboliço vivido em Maputo por causa do sismo! Nesse momento então percebi o “episódio dos cães” na madrugada anterior! É que estes animais têm a capacidade “ultra-sonora”, o que os permite detectar sons e vibrações que passam despercebidas ao “faro” humano! A implicação directa é que, embora não reportado, a cidade de Nampula também foi afectada pelo terramoto de 2006, mas em magnitude não perceptível por nós humanos, problema exacerbado ainda pela deficiência de estações de detecção deste tipo de fenómenos no país. Sem muita sombra de dúvida, aqueles “dogs” estavam ali porque o meio da rua era um “abrigo seguro” perante aqueles ruídos que escutavam e vibrações de tudo à sua volta, que só eles viam/sentiam! Hoje, nações potencialmente “sísmicas” como o Japão estão a desenvolver estudos para aproveitar essa “potencialidade canina” em sistemas de detecção e alerta em casos de iminência de sismos!
A informação que tem sido regularmente “vendida” é que Moçambique não é um país com actividade sísmica que deva inspirar motivo de preocupação e, infelizmente, a nossa prática corrente de Engenharia Civil segue cegamente esse pressuposto! Infraestruturas públicas e privadas de elevado valor continuam a ser concebidas e construidas sem a mínima consideração deste tipo de “solicitações acidentais” (sísmicas). Aliás, e para o cúmulo da situação, essas matérias nem sequer são ensinadas nas nossas universidades (pelo menos não o eram enquanto estava lá).
Três anos depois da ocorrência recente que inclusive ceifou vidas humanas, continuamos a “pretensamente” localizar os epicentros dos sismos porque, apesar de dispormos alguns centros sismográficos, reabilitados e apetrechados, os mesmos não funcionam por falta de capacidade técnica para se prestar a necessária assistência técnica ou seja, a leitura e interpretação dos equipamentos continua a ser feita às “apalpadelas”. Se há pouco vimos uma barragem recentemente reabilitada e que custou os “olhos da cara” ao erário público (portanto a nós pagadores de impostos), ser completamente destruída por causa do que não deve estar longe de “negligência cristalina”, hoje vemos uma clonagem perfeita desse marasmo e “modus-operandi”, que se encontra calcinado em larga maioria das nossas instituições públicas.
Na altura do sismo de 2006, cujos movimentos telúricos puderam ser sentidos também em partes distantes como Johanesburgo, Pretória e Durban, na África do Sul; e Harare, no Zimbábwe, foi referido que se tratava de um “efeito secundário” do maremoto (tsunami) previamente ocorrido no oceano Índico e que causara enorme morte e destruição lá para as bandas da Tailândia! O que ninguém se deu ao tempo de explicar é “o porquê” de nós (coitadinhos da silva) termos sido “os escolhidos” para sentir esses efeitos. Muita gente não sabe ainda que o território moçambicano é propenso aos sismos já que se encontra no chamado Vale do Rift, uma falha que se estende por mais de 6 mil quilômetros desde o norte da Síria, atravessa o chamado "Corno de África", segue a linha dos "Grandes lagos" e termina no Canal de Moçambique, que separa o nosso país da ilha de Madagáscar. Citando o Diretor do Departamento Nacional de Geologia, Elias Daudi, as províncias de Manica e Sofala são as que correm mais risco de serem sacudidas por grandes terremotos. Entre 1950 e 1957 se registraram naquela zona dez sismos, todos de grau 6 na escala aberta de Ritcher, seguindo-se um "intervalo dormente" de quase 30 anos na frequência destes terremotos, que foram retomados em 1985, mas com menor magnitude.
O que os meus “fellows citizens” precisam de saber é que sismos são fenómenos cíclicos e as regiões das “falhas tectónicas” são os seus campos preferidos de acção. Sem sombra de dúvidas que iremos ter mais sismos a curto prazo e provavelmente, com magnitudes muito mais elevadas! Nesse cenario que se perspectiva negro, tenham a certeza que é extremamente desolador dar conta da maneira como se tem tratado destes assuntos que não exigem outras coisas senão rigor, seriedade e competência!
Tal como referi anteriormente em relação a prevenção e combate a incêndios, é altura do Ministério das Obras Públicas, a Ordem dos Engenheiros e organismos afins, tomarem a peito esta questão e introduzir regulamentos e códigos apropriados para o dimensionamento e concepção de infraestruturas à altura de resistirem a este tipo de “solicitações” e a esta “nova” realidade. Ao Ministério dos Recursos Minerais, esta é altura de mandar à formação técnicos aos países que dominam estas questões e apetrechar todas as estações sísmicas e afins existentes e totalmente abandonadas pelo país a fora. Se quisermos atacar este problema de uma forma transversal, é fundamental ter o real “scope” da sua natureza e essas bases de dados são cruciais! Basta de termos que detectar “pretensamente” os epicentros dos sismos que ocorrem por esta Pérola! Devemos dar graças a Deus que os danos materiais e humanos ainda sejam reduzidos (uma das razões que julgo estar por detrás do desleixo e total abandono que é dado a estas matérias), mas não haja dúvidas que, se este país estivesse num estágio mais avançado em termos de desenvolvimento de infraestruturas, teríamos tido nestas mesmas circunstâncias, muito mais choro, dor e destruição.
Ao povo moçambicano em geral, e aos leitores do “Desenvolver Moçambique” em particular, que tiveram um ano de desafios e dificuldades, mas que sempre se mantiveram fiéis e cometidos à maximização dos seus esforços, cientes que o “amanhã será melhor”, vai aqui um abraço caloroso e votos sinceros de um Feliz Natal e uma Passagem de Ano tranquila com amigos e familiares, sem as habituais “candongas” de produtos de primeira necessidade, a onda descontrolada de crime e companhias de telefonia móvel que insistem em não nos deixar comunicar com aqueles que prezamos, nestas horas especiais!