09 abril 2009

Quando o Governo, ele Próprio, se Torna um “Empecilho” à Qualidade das Obras Públicas em Moçambique!!!

CONTRATO DE EMPREITADA (TIPO)

CLÁUSULA 5: OBRIGAÇÕES DA CONTRATANTE

1. Será obrigação da CONTRATANTE, ou seu representante, seguir todos os documentos que regem a OBRA.

2. Acompanhar e verificar todos os trabalhos executados pela CONTRATADA e solicitar atempadamente todas as correcções que se julguem necessárias.

3. Conferir o trabalho realizado e proceder o pagamento dentro do período de tempo e modalidades acordadas.

CLÁUSULA 10: PAGAMENTOS

1. Os pagamentos serão efectuados mediante a apresentação das facturas, elaboradas pela CONTRATADA e confirmadas pela FISCALIZAÇÃO, correspondentes aos trabalhos efectivamente realizados em cada situação.

2. O Contrato prevê pagamento do adiantamento, quando solicitado pela CONTRATADA e mediante apresentação de uma garantia bancária de igual valor.

3. A CONTRATANTE efectuará o pagamento a que se refere o ponto 10.1 no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da data da apresentação da factura pela CONTRATADA.

É comum vermos com alguma regularidade nos nossos Órgãos de Comunicação, informação referente à “obras mal paradas”!! Devido à mediocridade que estamos habituados destes senhores, nunca é apresentada uma informação que evidencie um estudo do historial dessas obras, de modo que as causas conducentes à sua paralisação, sejam percebidas! Estes “profissionais de comunicação” que, na realidade, não passam de meros “receptores de informação” e “difusores de comunicados de imprensa”, limitam-se quase sempre, a “demonizar” o Empreiteiro! Portanto, se a obra está mal parada, então é culpa desses Empreiteiros corruptos, desonestos e preguiçosos!! Nunca vi informação ser apresentada em moldes diferentes deste!!

Mas essa, quase sempre, não corresponde a verdade!! Abrindo aqui um parêntesis, perguntaria se haverá Empreiteiros que não cumprem com as suas obrigações contratuais?? Certamente que há!! No entanto, esta será sempre uma minoria, uma excepção!! Digo isso, porque o Empreiteiro precisa de “obras” para a sua sobrevivência!! É do trabalho, da sua execução e correspondente facturação, que provém o seu sustento!! Quem, no seu “bom senso” e “juízo” atiraria contra os seus próprios pés??

Nos meus mais de 10 anos de actividade, nunca me deparei com um caso em que o Empreiteiro, por causas só a si inerentes, desistiu de terminar uma obra!! O problema central dos casos que tive conhecimento e alguns em que estive envolvido, sempre se deveram a “Pagamentos”!

O Estado Moçambicano, na qualidade de “maior empregador” e “maior promotor” de obras, assume e parece que não quer abdicar da posição máxima no “ranking” de “PIOR PAGADOR” que pode haver memória! Conheço uma boa porção de “Empreiteiros” que, por causa disso, tomou já a decisão de nunca mais concorrer a obras suportadas directamente pelo “Orçamento Geral do Estado”, visto que a situação chegou, no seu entender, a níveis insustentáveis!!

O Estado Moçambicano não paga, e este “elemento” particular (pagamentos) é um dos grandes “empecilhos” à qualidade e sucesso de qualquer que seja a obra! Tudo, praticamente tudo numa obra, se centra à volta de “pagamentos” e a inabilidade de os fazer fluir conforme recomendem as “cláusulas contratuais”, inicia um processo cujo fim “infalível” será sempre o próprio insucesso da obra!

Vejamos alguns elementos para análise, nestes casos frequentes em que o “Dono de Obra” não cumpre com as suas obrigações:

- Materiais: A falta de dinheiro, obriga o Empreiteiro a previlegiar materiais e equipamentos “baratos”, fugindo quase sempre ao que vem indicado nas especificações técnicas, como forma a poder poupar “algum” e poder prosseguir com a sua actividade dentro do “budget” disponivel.

- Fornecedores: Problemas acrescidos com “fornecedores” devido à incapacidade de proceder aos “pagamentos” conforme os acordos de principio que normalmente são assinados entre as partes. Nesses “acordos”, normalmente são incluídas “multas” para os casos em ocorram atrasos no desembolso do valores, facto que exacerba os prejuízos do Empreiteiro.

- Trabalhadores na Obra: Se o Empreiteiro não tem dinheiro, significa que não estará em condições de pagar salários atempadamente aos seus trabalhadores! E, posso vos garantir, não há pior coisa numa obra, que um trabalhador esfomeado e desmoralizado! Os eventos que isso despoleta são de consequências invariavelmente catastróficas! O seu ritmo de trabalho reduz! O respeito para com os seus superiores fica afectado e o cumprimento de ordens de serviços, totalmente abalado! Porque não tem dinheiro, o roubo de materiais e equipamentos da obra, a serem vendidos em mercados paralelos, é praticamente inevitável!

- Fiscalização: Na qualidade de “representante do Dono da Obra”, o Fiscal é o garante do respeito pelas especificações técnicas, cláusulas contratuais, etc, para a satisfatória conclusão do objecto de obra! Ele não é contratado para “contar desculpas ao Empreiteiro”! Esta coisa de “falta de pagamentos” afecta, e de que forma, o seu estatuto de “Autoridade” na obra! É extremamente difícil manter “em linha” um Empreiteiro que não recebe pelo trabalho que realiza! Muito difícil mesmo! Ademais, o seu trabalho se vê acrescido devido à necessidade de maior controlo, consequência do aumento crescente das "artimanhas" que a "falta de pagamentos" acaba despoletando no Empreiteiro!!

- Prazos: Se não houver pagamentos, a habilidade do Empreiteiro realizar os trabalhos conforme os prazos contratuais e a “autoridade” da Fiscalização em “impôr” o seu cumprimento, deixa virtualmente de existir!

- Qualidade da Obra: A falta de pagamentos destrói toda uma estrutura montada para o bom andamento e sucesso da obra. A Fiscalização (e seus agentes) e o Empreiteiro (e seus trabalhadores) são uma instituição criada para trabalhar em “sintonia”, sob os mesmos planos, sob os mesmos objectivos. E, “pagamentos” é o “óleo que move esse motor”, o garante das acções sucessivas e coordenadas entre as partes! Em cada um dos pontos acima indicados, quem sofre é a própria “obra” e não haja dúvidas que a sua “qualidade” acaba seriamente afectada.

Então perguntamos: “Qual é o problema do Governo Moçambicano em proceder os pagamentos das obras que manda executar, de acordo com as cláusulas contratuais que ele mesmo assina”??

Falta de fundos? Quais fundos? Para quem conhece o decreto nº. 54/2005 de 13 de Dezembro, sabe que o Legislador teve um esforço tremendo e até “repetitivo”, em assegurar que, antes de proceder ao lançamento de um “Concurso de Empreitada”, o promotor (Entidade Contratante) deve garantir e reter os fundos para o efeito (vide Secção III-Artigo 10, Secção IX-Artigo 40, etc). Mas então, porque é que os problemas persistem, sabido que o SISTAFE é uma ferramenta que veio exactamente para ajudar na programação de despesas e colmatar este tipo de problemas?? Porque é que as nossas Instituições Públicas não funcionam como deve ser??

Independentemente das razões, sejam elas negligência, falta de adequada planificação, desvio de aplicação, desvio (roubo) de fundos, manipulação do processo de pagamento por parte de funcionários públicos (tesoureiros, contabilistas, chefes de finanças, etc) de modo a poder tirar “dividendos” dos “Empreiteiros”, esta mesma classe profissional (Empreiteiros) tem uma grande responsabilidade e “culpa no cartório, mesmo” para que este problema persista de forma tão impressionante, na nossa prática corrente em “construção de infraestruturas públicas”!

Uma grande maioria dos nossos “Empreiteiros” (eu arriscaria mesmo a cifra de 80%) devia, de facto, ser chamada de “Pedreiros”! Parte considerável destas “empresas” é propriedade de gente “analfabeta”! E não falo aqui de “formação” em Arquitectura, Engenharia ou Construção Civil! Falo de “instrução” escolar, aquela em que cada um aprende a escrever o seu nome! E, incutir e fazer entender a estes indivíduos que a “Lei” os assiste e não devem continuar a sofrer prejuízos atrás de prejuízos, por causa de negligência e incumprimento de cláusulas contratuais por terceiros (Agentes Públicos), é “missão virtualmente impossível”.

São estes mesmos “Pedreiros” que dizem que “Não se processa o Estado”! Mesmo que estejam 2, 3 ou mais anos a espera, dizem no seu tom característico de conformismo que “O Estado pode demorar, mas acaba pagando”! São estes mesmos “Pedreiros” que nunca denunciam práticas “fraudulentas e corruptas” de funcionários públicos! São estes mesmos “Pedreiros” que acham que receber pelo trabalho realizado, não é parte das “obrigações da Entidade Contratante”, mas um “favor” que esta lhes faz!!

Assim, meus senhores, não se vai à lado nenhum!! E, podem ter a certeza: passem os séculos que passarem, este “modus-operandi” que tem estado a contribuir negativamente para este sector que deveria estar contribuíndo mais acentuadamente para o crescimento económico desta nação, não se alterará!! As “Associações de Empreiteiros” (como todas as outras “Organizações da Sociedade Civil”) devem sair do marasmo em que se encontram e começar a discutir com franqueza e frontalidade junto das “Entidades Competentes” este problema grave e persistente que assola a maioria dos seus associados!! Libertem-se, porque ninguém vos trará a “papa Cerelac” já feitinha!! Ninguém vai lutar pelos vossos interesses, senão vós próprios!!! The cavalry will not come!!!

Ao Governo, começando pelo Ministro das Obras Públicas e Habitação e suas Direcções Provinciais (DPOPH), ao Ministro da Educação e seu “braço” de Projectos Escolares (GEPE), ao Ministro da Saúde e o seu “Gabinete de Coordenação de Investimentos” (GACOPI), às Alfândegas de Moçambique, etc, que figuram como os principais Organismos de “Promoção de Obras Públicas”, será que têm a real dimensão dos “Empreiteiros” que têm “alienado” e das obras que têm “mal parado” devido à vossa “deficitária cultura de pagamentos”??

Não será já altura dos Senhores discutirem seriamente e erradicarem completamente este problema crasso que assola o nosso sector de Construção de Obras Públicas???

7 comentários:

Egidio Vaz disse...

J, obrigado pelo texto. Acho o apelo que fazes a Associação do ramo muito oportuno e que deveria ser acatado com a máxima das urgências.
Se não empurrar, eles continuarão como são.
Abraços.

Jonathan McCharty disse...

Caro Egidio,

Obrigado pela forca!
Quando se fala em "sociedade civil" sao exactamente estas organizacoes que devem defender interesses de sectores particulares!! Muitas delas precisam de se libertar da inepcia que as assola!! Ha' ainda muito medo de discutir com as instituicoes governamentais, mecanismos apropriados para melhorar o seu ramo de actividades!! Como disse no "post", ninguem fara' isso, senao eles proprios!!

Julio Mutisse disse...

Interessante reflexão, este é um problema grave; normalmente o empreiteiro é quem fica mal na foto.

Jonathan, há uma questão que o Dr. Ivo Garrido há tempos abordou: a mania que os doadores (que em muito financiam as obras e outros projectos) tem de serem eles a fazerem os desembolsos que, não poucas vezes, atrasam-se com as consequências conhecidas.

Este pode ser um dos calcanhares de aquiles das obras públicas em Moçambique e, apressadamente, chamamos os governantes de corruptos porque "mamaram" a mola para a obra que, não poucas vezes, nunca a tiveram sob controlo porque o doador faz ele mesmo os desembolsos.

Não será esta uma das causas? Talvez, muitas vezes, os nossos governantes nem sejam corruptos (no caso das obras públicas, por razões óbvias, sou suspeito, reconheço.)

Mutisse

Jonathan McCharty disse...

Obrigado pelo comentario, amigo Mutisse!

De facto, este problema de pagamentos e' tao grave que tenho duvidas que alguma obra publica termine sem que o mesmo se observe.

A razao de alguns doadores assim procederem (nao sao todos) e' exactamente evitar esta descontinuidade de pagamentos de que estamos a falar. Obras financiadas por doadores e ONG's sao as mais "cotadas" e aqueles em que o empreiteiro mocambicano tem certeza que o seu trabalho sera' compensado!

Ao escrever este post, absolutamente nao me passou pela cabeca que a razao deste problema seja a elevada corrupcao nas nossas instituicoes publicas. Ela pode existir, mas julgo que a falta de uma boa planificacao e desorganizacao tem levado a situacoes de "desvios de aplicacao", esquecimento de lancar determinadas despesas na proposta de orcamento anual, etc, acabando por comprometer actividades, em principio, programadas.

Esta area da planificacao e organizacao das instituicoes publicas precisa de um grande investimento em recursos humanos e ferramentas de apoio a um melhor controlo e fiscalizacao. Penso que o SISTAFE pode fazer muita coisa, mas parece que ainda nao e' dominado o suficiente!!

Boa Pascoa a tutti gli homini!

Júlio Mutisse disse...

O exemplo a que me referia da saúde, o Ministro reclamava do atraso de desembolso inclusive para projectos acordados com os próprios doadores.

Quis estabelecer um paralelismo: não acontecerá o mesmo nas obras públicas? Será que todas as obras atrasadas são aquelas em que o Estado, ele mesmo, faz os desembolsos? Não haverão casos em número considerável em que determinada ONG, doador ou "parceiro de cooperação" falhe no desembolso?

É evidente que eu, enquanto distante dos meandros em que se processa o financiamento da construção de uma estrada por exemplo, se ela parar achacarei as culpas ao Estado e seus agentes, mas pode não ser isso. Pode ser que o Estado esteja a apanhar em tabela devido a sua incapacidade de, neste momento, e por causa de eventuais erros do passado e da perspectiva puritana de muitos doadores que olham para nós como ladrões, negociar termos mais favoráveis com os doadores assumindo o control dos valores das ajudas externas, com muito prejuizo a sua imagem.

Jonathan McCharty disse...

Mutisse, levantas um bom ponto!

Normalmente quando se lanca um concurso de empreitada, e' obrigatorio indicar a fonte de financiamento: Se do "orcamento do estado", se de um "doador" ou "parceiro de cooperacao"!

No comentario anterior referi que, quando o financiador e' o "doador", o que pressupoe que ele fara' os desembolsos directamente ao Empreiteiro, estes problemas, regra geral, nao acontecem!

Porem, se o financiamento e' "indirecto", ou seja, suportando primeiro o "orcamento do Estado" e, se parte da verba for destinada a uma obra, havendo atrasos no desembolso, e' verdade que o ponto que referes fara' sentido!

Mas temos que ser honestos, Mutisse! Nao me ocorre ter havido casos, pelo menos nos ultimos 5anos, em que um doador tenha faltado com a sua palavra! Ha vezes em que ha' demoras, mas eles pagam! O proprio ministro Garrido o admitiu, penso que ha' 2semanas! Porem, esse e outros Ministerios tem obras mal-paradas e com serios problemas de pagamento, nalguns casos, levando mesmo anos sem desembolso! O que explica isso??

Anônimo disse...

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