10 junho 2011

Jovens Médicos Moçambicanos: “Quando Recusar Ser Escravo, Precisa-se!!”

Todos nós, em algum momento das nossas vidas quis ser Médico ou teve autênticos exércitos de familiares, amigos, vizinhos, etc, nos “forçando” a seguir esta carreira profissional!! Porquê?? Porque nada mais interessa nesta vida, se não tivermos saúde!! Saúde dá segurança, bem estar, prazer de viver, possibilidade de exercer qualquer outra actividade!! Por isso, qualquer investimento nesta área, seja por recursos financeiros ou tempo dispendido em formação nesta área académico-profissional tem asseguradamente retorno!!

Moçambique é daqueles países que precisa de corrigir questões estruturais na maioria dos seus sectores sócio-económicos, sendo a Saúde (Medicina), um deles!! Conforme o último informe do actual ministro do pelouro na Assembleia da República, o rácio actual é de 1 médico para 20.000 pacientes (cito de memória), o que significa que o número total de médicos nacionais com muita dificuldade superá os 1.000 profissionais!!

Este péssimo desempenho estatístico mostra o quão amplo é o mercado para os Médicos, quão elevada é a demanda por esta classe profissional!!

Só por isso, ao receber o seu diploma, o Médico Moçambicano deveria se sentir “empoderado”, sentir-se possuidor de armas e ferramentas únicas para ir à luta, exercer a sua actividade, conquistar o amplo mercado existente!! Tem tudo para vingar e vencer!!

Mas é isto que acontece?? Não……..!! Infelizmente a resposta é um ensurdecedor NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!!!!
O jovem Médico Moçambicano é das espécies mais física e mentalmente (auto)torturadas!! Não há categoria profissional mais “sem esperança” que esta!!

Julgo que uma variada série de factores concorre para esta situação:
1- Período de formação longo, com muitos chumbos à mistura!! Não é incomum que Médicos só se graduem acima de 10 (dez) anos depois de se sentarem nos bancos da faculdade!!
2- Condições deploráveis de trabalho: o Médico é atirado imediatamente para o campo, lá para a “casca da rolha”, vivendo muitas vezes numa “semi-casa”, sem água corrente, sem electricidade, sem sinal de televisão, sem cobertura de rede de celular e, para não variar, sem transporte!!
3- Salário de Pobreza: não faz sentido que esta classe profissional seja a mais negligenciada e esquecida, quando se trata de lhe oferecer um salário adequado à sua função, compatível com o nível de trabalho que exerce!! Quando se fala que 20,000 Mts (USD 700) é o salário, incluindo “bónus e incentivos”, só se pode estar a brincar!!

Este é o “prato quente” que a “conjuntura nacional” oferece ao Médico Moçambicano recém-formado!! E, como é que ele reage??

Ele, o “Jovem Médico Moçambicano", se esconde atrás da bananeira!! Não vai à luta!! Larga as poderosas armas que tem em sua mão, esquece a sua condição de “ser independente” e embarca na desesperada caminhada à procura de outras (armas), que lhe “garantam um sustento adequado”!! É isto que estamos a assistir correntemente, como uma praga em rápida propagação, no seio desta classe profissional!! Praga esta que precisa de “medidas epidemiológicas fortes", mas que parece que ninguém vê ou não quer dar a devida atenção!!

Assistimos há alguns tempos, um fenómeno similar, em que organizações internacionais, organizações não-governamentais, etc, apareceram ferozmente no mercado a solicitar graduados em áreas sociológicas e antropológicas, à troco de salários em dólares!!! Atendendo à natureza do trabalho e inserção destas organizações no espectro nacional, este tipo de “demanda” deve ser sempre considerada ocasional, efémera!! Um indíviduo a frequentar o ensino secundário não é por saber que o filho do vizinho, graduado em Sociologia conseguiu um emprego que “paga bem” numa certa ONG, vai só e só com base nessa “evidência” eleger também Sociologia como a área em que se pretende formar no ensino superior!! Isso não passará de “dar um tiro no escuro”!!!

O mesmo fenómeno está milimetricamente a acontecer hoje com os Jovens Médicos!! Invariavelmente, as mesmas Organizações, decidiram que o perfil do empregado a contratar, deve incluir um diploma em “Saúde Pública”!! De facto, algumas pessoas com formação nesta área foram contratadas e “estão a receber bem” nestas instituições!! E, qual é a consequência directa dessa “evidência”, na nossa reputada classe profissional???

Hoje, todo o “Jovem Médico Moçambicano" que conheço está a fazer uma ou outra “Especialização em Saúde Pública”!! É “saúde pública de batatas fritas” de um lado, “saúde pública de cachorro-quente” do outro, “saúde pública de hamburguer”, só para citar alguns nomes bizarros em que se metamorfosea esta “área de saber tão útil aos interesses correntes da Saúde em Moçambique”!!!

Hawenna, Jovens Médicos Moçambicanos!!!

Quem é que contrata um indivíduo formado em “Saúde Pública”!???! Ou é o Ministério de Saúde, ou uma organização qualquer interessada em “desenhar” políticas de saúde!! Digo “desenhar” porque o interesse destas Organizações nunca é “ir comer poeira lá no mato”!!! Os problemas, esses resolvem-se no escritório!! Quantas destas instituições existem no país e quantos profissionais de “Saúde Pública” anunciaram tencionar contratar a curto-médio prazo??? Quantos???

Fugindo um pouco da parte “política e burocrática” (fast-food) da Saúde Pública, existe a “Área Epidemiológica”, muito importante para a investigação de doenças e adopção de medidas para as conter!! Falo aqui de estudos que envolvam Microbiologia, Genética, etc!! Mas quem, dentre os nossos Jovens Médicos está a especializar-se nestas “matérias difíceis”, quando as “Áreas Clínicas” são o maior pavor do momento!!

É a isto que me refiro quando digo aos meus Jovens Médicos Moçambicanos que “Recusar Ser Escravo, Precisa-se!!” O Jovem Médico torna-se escravo quando abdica das ferramentas que já tem em mão e se entrega ao arbítrio e mercê de terceiros!! Ao abraçar este “negócio de Saúde Pública”, o Jovem Médico se coloca na condição de pedinte, junta-se à enorme bicha de outros pobres coitados graduados que têm que escrever CV’s caprichados, comprar jornais só para ler a secção de anúncios classificados, e pedir emprego por meses, senão anos seguidos, “para ver se a vida melhora”!!

Que eu saiba, não existe “Clínica de Saúde Pública”!! Ou seja, o pós-graduado em “Saúde Pública” não vai tratar a ninguém directamente!! Terá que ser empregue por uma instituição qualquer e, por essa via, poder ou não conduzir trabalhos que tenham impacto na melhoria da saúde do Povo Moçambicano!! Este parece-me um “caminho muito longo e incerto” para a almejada “liberdade e independência profissional, económica e financeira” do Jovem Médico Moçambicano!!

Se um Médico em Moçambique está para 20.000 pacientes (o valor correcto seria 40.000 se atendermos que mais de 600 Médicos se concentram só em Maputo), existe com certitude um caminho, possivelmente “trabalhoso” no início, mas que vai assegurar a Independência e restaurar o Orgulho nos profissionais desta nobre área!!!

De maneira alguma, o caminho a seguir deve estar dissociado desta equação de 1 para 20.000 ou 1 para 40.000 pacientes!! Sucesso de venda só ocorre quando se está com o produto certo perante os potenciais compradores!! É aí onde reside a resposta, é aí onde se encontra o mercado, é aí onde aguarda tão pacientemente para ser conquistada, a “independência total” do Jovem Médico Moçambicano!!

Se não estou a ser suficientemente claro, é nas “Áreas Clínicas”, naquelas que têm impacto diário e directo na saúde dos Moçambicanos, que reside também a vossa libertação!! Porque, enquanto vocês têm um amplo campo de experimentação e masterização das vossas técnicas de diagnóstico e tratamento de doenças, vocês se equipam também de bagagem fundamental para o exercício das vossas actividades!! Essa bagagem é unica!! É inteiramente vossa!! Não têm que depender de nenhum incompetente para avaliar o quanto vocês valem!! É esse conhecimento acumulado que vos vai convencer que o futuro está nas vossas mãos e não depende de mais ninguém senão de vós próprios!!!

É essa certeza que vos dará confiança e vos permitirá dar voos mais altos a breve, médio ou longo prazos, dependendo da capacidade de cada um!! É essa certeza que fará com que, daqui há alguns anos, vocês hoje Jovens Médicos, sozinhos ou associados, criem as vossas Clínicas, os vossos Hospitais, os vossos Laboratórios!!!

Agora, a menos que estejam interessados em inventar “Clínicas de Saúde Pública”, Saúde Pública nas suas mais variadas versões de Fast-Food, nunca vos conduzirá à tão almejada “independência total”!!!!

P.S – Esta série tem uma segunda parte, onde procurarei abordar a outra parte do problema que acaba conduzindo o Jovem Médico a este abismo!! Se é Médico ou parte interessada nestas matérias, não se coiba de dar o seu “input”!!! Só debatendo de forma crua e nua é que se desbrava o caminho das soluções!!

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